quarta-feira, setembro 28, 2005


O charme discricionário da magistratura

Alice, escriturária de 3ª classe da CM de Felgueiras, foi constituída arguida num processo judicial, por se verificarem fortes indícios de que se havia apropriado ilicitamente da laca da Senhora Presidente da Câmara, crime doloso de superior moldura penal. Dado que o desempenho do cargo a colocava em posição de perturbar o inquérito (podia ocultar a lata) e que – atendendo ao seu penteado estilo M. Eanes - havia séria possibilidade de repetir a conduta criminosa, foi-lhe aplicada, como medida de coacção, a prisão preventiva.

Berta, funcionária judicial, partilhava com Alice o vício da laca desde que ambas haviam andado de aprendizas no conceituado salão de cabeleireiro da Dona Cesaltina, pelo que a alertou para a aplicação da medida ainda a juíza mal tinha aposto a firma na douta decisão.

Sentindo, de súbito, no seu mais profundo âmago, um desejo incontornável de averiguar das propriedades fixadoras do mamão e da goiaba, Alice, que, por acaso de lusofonia, nascera em Luanda, filha de um brasileiro de Mato Grosso e de uma portuguesa de Marco de Canavezes, e possuía tripla nacionalidade, viajou para o Rio de Janeiro, via Vilar Formoso. Foi emitido mandado para a sua detenção, mas como - bizarra coincidência - o Brasil não extradita nacionais, Alice por lá se manteve, incólume e próspera. Abriu até uma barraquinha de brushings rápidos em Copacabana, muito frequentada por actores das novelas da Globo e apareceu imensas vezes – a star was born - na Fronhas Notícias.

No entanto, Alice não era feliz. Sentia a falta do perfume cosmopolita de Felgueiras e a nostalgia do guichet das coimas. Decidiu, assim, regressar, entregar-se nas mãos cegas da justiça e lutar para provar a sua inocência. À cautela, o defensor oficioso, jovem borbulhoso que acumulava o estágio com um part-time de lavador de cabeças na D. Cesaltina, requereu logo a revogação da medida de coacção. Afinal, o inquérito estava terminado, a lata segura e o perigo de repetição da conduta dirimido pela falta de acesso ao apetecível fluxo.

Debalde. Ao entrar em território nacional, Alice foi imediatamente detida e conduzida a um estabelecimento prisional, em cumprimento do mandado pendente. Como era uma figura pública - penteou ídolos e, embora em maus lençóis, aparecera em muitas Fronhas - os media noticiaram lestos a sua detenção. Em boa verdade, a comunicação social sabia antecipadamente do regresso de Alice e estava de plantão ao aeroporto, licitando com frenesim a sua presença como estrela da companhia.

Entretanto, em Felgueiras, terra de gente pacata, a juíza do processo, moça com pouco que fazer, como, aliás, é triste sina dos magistrados portugueses, via-se forçada a passar seus dias vendo televisão no gabinete. Estava vidrada no Jorge Gabriel, quando lhe aparece a Dona Cesaltina, insigne coiffeuse, magnata da indústria e padroeira das aprendizas, que também fazia uma perninha como vendedora ambulante de produtos capilares, e por ali passara, incidentalmente, para deixar umas amostras. Amostra aqui, amostra ali, Dona Cesaltina tocou de forma inadvertida no comando da juíza e eis que esta deparou com Alice em todo o seu esplendor, cabelo ao vento e auréola polida, clamando inocência bronzeada no pequeno ecrã.

Hossana, - gritou a juíza - finalmente, tenho algo para marcar nesta aborrecida agenda virgem! E logo escreveu, no espaço do dia, não uma, mas (oh, fartura!) duas tarefas: "Ouvir a Alice" e "Decidir sobre a Alice". E vai de mandar fax para as polícias: "Tragam-me a Alice". Claro que o fax ainda demorou um pedaço a cumprir pois as estradas estavam pejadas de repórteres, mas a juíza não se atrapalhou e foi estudando a lei, deduzindo as razões e rascunhando os fundamentos, até que, ao fecho da secretaria, lhe foi presente a Alice. Por instantes, dado o adiantado da hora e o seu hábito de não perder os Morangos, a magistrada ainda pensou em deixar o assunto para o dia seguinte, mas em Portugal os juízes decidem sempre sobre a liberdade das pessoas em menos de vinte e quatro horas e ela não queria manchar o currículo. Pelo que pegou a alimária pelas madeixas. Que currículo de magistrado é coisa séria e, como a mulher de César, não lhe basta ser, tem de o parecer.

segunda-feira, setembro 26, 2005


E alegre se fez candidato

Passando a eleição do PR muito pelo capital de simpatia e admiração que a figura do putativo inspira, numa eventual segunda volta Alegre tem, não obstante o seu posicionamento pouco ao "centrão", possibilidade de derrotar Cavaco. Cavaco não é simpático: crispado, tenso, pouco telegénico… características eanescas que não obstaram, mas aí havia o véu caridoso da farda e era o tempo delas. Para além de que aquele sentimento nacional de admiração sebastianista pelos economistas austeros já deu uvas. Neste caso até são mais passas e similares: tenho para mim que o bolo-rei será o epitáfio político de Cavaco. Já Alegre detém capital de afectos: é tido pela maioria dos portugueses como um homem corajoso, honesto e com sentido da causa comum. Ou seja, uma pérola rosadinha nos dias de ostras magras que correm.

Assim, perspectivando uma segunda volta em que faria o pleno do eleitorado à esquerda do PSD e recolhendo simpatias numa direita onde Cavaco não é tão amado com passadas maiorias podem fazer crer, Alegre aparece a muitos como o primeiro candidato sem aparente apoio partidário com hipóteses de discutir o resultado. Pois… só que a essa altura já teria apoio partidário e sejamos realistas: chegar lá sem arrimo é tarefa complicada. Onde outros colarem cartazes, Alegre exibirá foto tipo passe? Onde outros correrem em caravanas motorizadas, Alegre seguirá de bicicleta? Onde outros se rodearem de assessores e consultores, Alegre recitará poemas sob o olhar terno de Helena Roseta? É que não há admiração pública que resista a uma campanha de grupelho.

Já li que o PS vai emprestar um pedaço da máquina, quiçá até meia dúzia de cordelinhos bem mexidos, pois Alegre mobilizará votos que não tugirão com Soares, assim evitando uma anunciada vitória cavaquista em primeira ronda. Duvido: uma eventual derrota de Mário Soares será sempre uma derrota pessoal do octogenário mais político-dependente de Portugal e para José Sócrates, delfim da tralha e líder de amigalhaços, Manuel Alegre é o pior presidente possível. O que só abona a favor da sua candidatura. The more the merrier... and the merrier the better.

sexta-feira, setembro 23, 2005


Simon Wiesenthal


Simon Wiesenthal 1908-2005
Survival is a privilege which entails obligations

quinta-feira, setembro 22, 2005


Non sequitur

Vai uma pessoa três semanas de férias, num safari pela selva das dezoito horas de trabalho diário, e é isto: moura fora, dia santo no guarda-factos. Verdade que também não há factos e a Fátinha que o diga. Embora a melhor da semana tenha sido do poeta alegre: sim, por que avaria climatérica o não incluem nas sondagens, se ele está na mesma situação de Cavaco? Aliás, havendo rigor, as sondagens só deveriam mesmo incluir Soares, Jerónimo e o Bloquista. Ah, e o eterno descartado Garcia. Pronto, também podiam sondar o comic relief circense mais conhecido por mandatário bibesco. Um boletim de peso… que nos permitiria ver le p’tit Mendes d’elefante no esófago. Ou seja, com uma marfinite na faringe. Assim como assim, antes ponta de marfim a espreitar da glote que bolo presidente a saltar da mucosa.

quinta-feira, setembro 01, 2005


A culpa

Na Louisiana e no Mississippi, procuram-se culpados: os estados não estavam preparados para reagir eficientemente a uma catástrofe natural e W. Bush não interrompeu pronto as suas férias de seis semanas. Por mim, não vejo que a presença de Bush na Casa Branca adiantasse alguma coisa em termos de eficiência e até me parece que seria benéfico conceder-lhe cinquenta e duas semanas de férias, de preferência num rancho nos arrabaldes de Bagdad, mas admito haver quem creia que o Katrina se dissiparia mais facilmente com o Presidente in situ. E que o estado de sítio seria logo controlado. E que a invasão do Iraque foi uma machadada no terrorismo islâmico. E que Hitler era um docinho de pessoa.

Procurar culpados é pecha de humano. Já assumir culpas é tão raro como encontrar-se em Portugal um autarca pobre. Claro que o sobrinho de Isaltino tem fortes economias, claro que o homem de mão de Avelino delira, claro que os "inos" são todos probos, de Felgueiras a Gondomar, passando por São Bento. Aliás, vendo bem, o conceito de culpa é estritamente psicológico e a presunção de responsabilidade coisa de vaidosos.

Desempoeiremos: a culpa, como o inferno, são os outros. Deve ter sido por isso que o orangotango, com ar arejado, que hoje me deu cabo do carro ao cortar três faixas de rodagem numa pirotécnica manobra de saída para a direita, apenas interrompida pela imbecil lei da Física que diz não ser possível dois veículos automóveis ligeiros de passageiros ocuparem ao mesmo tempo o mesmo espaço, se saiu com esta: ora, a senhora não sabia abrir um "pisca" à esquerda para mostrar que não ia sair à direita? Percebi, de imediato, estar perante um clássico: um Alexandrino, no mínimo.

Ia acabar aqui, que já esgotei a pequena pausa pós-prandial e hoje é o dia mais realista do ano, mas co-blogger que me espreitou a diatribe disse "espero que a verrina passe pelo Soares". Para não o desapontar, aproveito para esclarecer que o Alexandrino tinha bochechas.


Conclusão

BUÁ!


Constatação


Hoje
é
o
primeiro
de
Setembro


Facto

O
primeiro
de
Setembro
é
o
dia mais realista
do ano